Um delegado de polícia, uma moradora de Ipanema e um ativista da Rocinha. Acompanhamos a rotina de três cariocas ao longo da última semana para mostrar o que mudou e o que ainda precisa melhorar para que a cidade se torne de fato mais segura

ABORDAGEM Militar revista morador da favela do Kelson’s, na zona norte do Rio, onde uma mulher foi torturada por traficantes na segunda-feira 19: desafio é agir sem abusar da força (Crédito: Leo Correa)
REVISTA ISTO É Eliane Lobato 23.02.18 - 18h05

Nascido e criado na favela da Rocinha, na zona sul, Leandro Lima, 35 anos, viveu uma dramática experiência tempos atrás, quando foi parado, numa viela por policiais do Bope. “Eu estava indo para o trabalho e um policial começou a me fazer perguntas com uma arma apontada para minha cabeça e o dedo no gatilho. Eu só pensava que se algum mal entendido acontecesse e o dedo dele apertasse, minha vida acabaria ali.” Lima é cameraman da TV Globo, mora na parte alta da favela e dirige a mídia comunitária FaveladaRocinha.com, que distribui um jornal impresso na comunidade e está presente em mídias sociais. Ele faz parte do grupo que gravou o vídeo “Dicas para Sobreviver a Uma Abordagem Indevida”, que aconselha ao jovem negro de favela, por exemplo, a não usar guarda-chuva de cabo longo pois isso pode ser confundido com uma arma e a carregar o cupom fiscal de qualquer objeto que ele esteja portando, seja um iPhone ou um cordão para comprovar a compra e descartar o roubo. “Os moradores de favelas estão apreensivos porque têm sofrido incursões truculentas ao longo dos anos, sem solução para eles. Não são tratados como cidadãos, as portas de suas casas podem ser arrebentadas por chutes”, diz Lima. “Para nós, é mais do mesmo. A pior violência que sofremos nas favelas não é a da falta de segurança e, sim, da falta de saneamento básico, transporte, posto de saúde, educação, cultura”, afirma.

O Delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), Orlando Zaconne, 54 anos, disse à ISTOÉ que o clima entre os policiais também é de inquietação: ”O delegado é uma autoridade jurídica. A partir do momento em que a segurança pública passa a ser comandada por militares, gera desconforto.” O delegado lembra que a intervenção está sendo discutida e espera-se que haja “garantia democrática do exercício da função policial.”

Não são poucos os especialistas em segurança pública ou da área acadêmica que duvidam do bom resultado da operação comandada pelo general Walter Souza Braga Netto, em especial por dois motivos: a indefinição sobre o aporte financeiro federal para suprir as graves necessidade da Polícia e pelo desconhecimento de qual será o plano de segurança pública para o estado. Para o antropólogo Rubem César Fernandes, também fundador da ONG Viva Rio, o povo fluminense “já teve muitas esperanças de combate à violência que levaram à desilusão.” Uma delas, foi o projeto Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que “mostrou o caminho a partir de 2008 e chegou à decadência nos últimos anos.” A suspeição se deve, especialmente, aos confrontos com armas em favelas onde a maioria dos moradores é de cidadãos honestos, mas que, infelizmente, vivem em áreas controlados por bandidos. “E ninguém aguenta mais tanto tiro”, diz o antropólogo. Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz que a “motivação é política e está longe de significar solução para a questão da segurança pública no estado.” Ele frisa a importância de destinação de verbas para recuperar o aparato policial do Estado, contratar policiais ou recuperar viaturas.
“O delegado é uma autoridade jurídica. A partir do momento em que a segurança pública passa a ser comandada por militares, gera desconforto” Orlando Zaconne, delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada

Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema penitenciário do Rio e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), diz que a intervenção pode momentaneamente transmitir sensação de segurança. “Mas se não resolvemos algumas questões básicas, não vamos a lugar nenhum.” Questões básicas são a corrupção dentro da polícia e a estratégia de enfrentar o varejo do tráfico à bala. No início da semana, uma operação policial em Caxias, na Baixada Fluminense, deixou um homem morto e outras duas pessoas feridas, entre elas uma criança. Revoltados, moradores atearam fogo em um ônibus — cenas que a intervenção ainda não foi capaz de suprimir da rotina do Rio.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, A PAZ SOCIAL NÃO SE GARANTE PELAS ARMAS E SIM PELA FORÇA DA LEI E DA JUSTIÇA. Por isto, as estratégias de pacificação não deram certo e nem esta intervenção sem Estado de Defesa conseguirá o objetivo de restabelecer a ordem pública no Rio. Será paliativa e temporária. Não haverá "PAZ COMPLETA", mas no máximo "sensação de segurança" em alguns lugares até encerrar a "intervenção".
A questão maior não é a corrupção nas polícias e nos poderes e sim a impunidade desta corrupção e a impunidade dos traficantes, favorecidas pela omissão, conivência, irresponsabilidade, leniência e permissividade das autoridades que não impõem leis severas, um sistema de justiça ágil e coativo, e políticas sociais capazes de resgatar a população das mãos do crime, punindo os bandidos, extraditando os traficantes internacionais, policiando as fronteiras e fortalecendo as polícias expulsando os corruptos e capacitando em efetivos e recursos.
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