O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

domingo, 29 de março de 2015

TRÁFICO RESISTE OCUPAÇÃO MILITAR NA MARÉ



O DIA 28/03/2015 23:46:21


Tráfico resiste após um ano de ocupação militar na Maré. A dois meses da substituição das Forças Armadas pela PM , comunidade faz avaliação


Francisco Edson Alves




Rio - No dia 5, a Força de Pacificação do Complexo da Maré completa um ano de ocupação. A data antecede os dois últimos meses em que tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica ficarão por lá. Em junho, elas serão substituídas por mais de 1,4 mil policiais militares. A iminente saída dos militares — são três mil por dia — é esperada num clima misto de alívio, ansiedade e apreensão.

A presença dos soldados, segundo analistas, garantiu ações sociais jamais vistas na comunidade. Por outro lado, não conseguiu inibir a sangrenta disputa por bocas de fumo entre traficantes de duas facções criminosas: o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro.

No Complexo da Maré, o maior conglomerado de favelas do Rio, com 16 comunidades, moram mais de 130 mil pessoas. A maioria delas vive a expectativa da mudança. “Se os traficantes ignoraram os militares, com seus tanques e blindados de combate gigantes e armados com fuzis e pistolas (seriam mais de cinco mil armas), vão respeitar a PM?”, questiona o comerciante X., de 45 anos, que diz estar “cansado de presenciar” tiroteios entre quadrilhas, “mesmo com militares observando tudo a distância”.

“Vamos sentir falta. Ruas e escolas foram recuperadas, bandidos importantes foram presos e horários e altura do som dos bailes funk e de pagode, disciplinados”, pondera o motorista Y., 53.

Traumatizados e com medo de que os confrontos se intensifiquem, muitos moradores estão deixando o complexo. É o caso de Maria do Socorro Viana de Araújo, 40, que acusa soldados do Exército de terem executado seu filho, Felipe de Araújo Vieira, 23, com um tiro de pistola à queima-roupa no peito, no dia 20 de janeiro, na Vila dos Pinheiros.

Felipe é uma das 30 pessoas — incluindo um cabo do Exército — que morreram em 11 meses na Maré em confrontos ou em circunstâncias ainda não esclarecidas. Mais de cem ficaram feridas (51 militares).

Maria do Socorro garante que uma testemunha viu Felipe, que nunca teve envolvimento com o crime, sendo assassinado durante abordagem dos militares. “Ela prestou depoimento na Delegacia de Homicídios, mas ninguém foi preso. Os soldados, que não socorreram meu filho, passaram a me ameaçar na porta da minha casa. Estou indo embora daqui, onde nasci, para não morrer como meu filho”, justifica.

Embora, por questões estratégicas, o Comando Militar do Leste (CML) evite comentar o assunto, as tropas deixarão para a PM um mapeamento de acessos difíceis em todo o território, de dez quilômetros quadrados. Novos caminhos foram abertos e outros ficaram livres de barricadas do tráfico, feitas de barras de ferro, concreto e carcaças de carros.

A presença das Forças Armadas terá custado, no fim das contas, R$ 432 milhões ao governo federal, o equivalente a R$ 1,2 milhão por dia. Agora, o desafio será do governo estadual.


Críticos dizem que dinheiro foi mal usado

Educadores e representantes de entidades de Direitos Humanos, criticam a ocupação da Força de Pacificação. “Não mudou absolutamente nada. É impossível querer mudanças com atitudes de guerra. Os tiroteios na porta da minha escola continuam quase diariamente. Na semana passada, por exemplo, por três dias, os alunos tiveram que ficar abaixadas nas salas de aula com medo de balas perdidas”, argumenta Yvonne Bezerra, do Projeto Uerê, ONG que atende 470 crianças com traumas de violência na Baixa do Sapateiro.

“Os R$ 432 milhões poderiam ter sido investidos em escolas, creches, quadras de esportes e postos de saúde. Intervenções armadas só geram mais violência”, diz o advogado do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos, João Tancredo.

Para Edson Diniz, diretor da ONG Redes da Maré, há até boa intenção e esforço dos militares para uma aproximação com a comunidade. “Mas as tropas, preparadas para proteger fronteiras, são vítimas também do quadro atual. Estão como peixes fora d’água”.

CML destaca ‘boas ações’

O delegado da 21ª DP (Bonsucesso), Delmir Gouveia, elogia as tropas na Maré. “Prenderam 570 suspeitos de crimes, entre eles, líderes importantes do tráfico, como Fabiano de Jesus, o Zangado, do TCP, irmão de Marcelo das Dores, o Menor P. Com a ajuda dos militares, também prendemos outros, como Eduardo da Silva, o Avião, maior fornecedor de cocaína do Comando Vermelho, e identificamos dezenas de bandidos”, comenta.

Em nota, o Exército lamentou a morte do cabo Michel Mikami, de 21 anos, por traficantes, em novembro, e diz ter instaurado 17 inquéritos para apurar supostas condutas irregulares e abusos de soldados.

“Além de coibir a violência, o trabalho dos militares e dos órgãos envolvidos visa também criar condições para a entrada do poder público”, diz o texto, citando algumas ações realizadas, entre elas a Justiça Itinerante, a recuperação de instalações escolares, a pintura da Vila Olímpica da Maré e a liberação de vias para a mobilidade urbana, além de encontros periódicos com líderes comunitárias e ONGs.

Tiros e perna amputada

O estoquista Vitor Santiago Borges, 29, é outro que vai embora da Maré. No dia 12 de fevereiro, o carro em que estava, com quatro amigos, foi fuzilado por soldados do Exército na Favela Salsa e Merengue. O motorista não ouviu a ordem de parar numa blitz.

Baleado com tiros de fuzil 762 no tórax e na perna esquerda, Vitor, ainda hospitalizado, teve o membro amputado. Em vídeo no Facebook, ele garante que não voltará para a comunidade. “Está muito violenta”, justifica.

A vendedora M., 43, mudou-se do Parque União com o marido e três filhos ano passado. Paga agora R$ 1,9 mil de aluguel num bairro da Zona Norte. “Alugamos nosso imóvel na Maré, onde meu irmão (de 37 anos) já foi vítima de bala perdida no ombro, por R$ 800. Ele também foi embora. O complexo, por falta de investimentos sociais e da própria falta de educação de boa parte da população, é uma fábrica de bandidos”, opina.

quinta-feira, 26 de março de 2015

AGENTE SOCIAL TORTURADO CONSEGUE ESCAPAR DO MICROONDAS

O DIA 26/03/2015 13:05:27

Agente do Degase foi torturado por 16 horas em favela de Bangu. Homem que seria queimado no chamado 'microondas' conseguiu escapar. Sindicato defende porte de arma fora das unidades para a categoria

Christina Nascimento



Funcionário do Defase foi torturado no Morro do 48, em Bangu. Ele conseguiu fugir antes de ser executado Foto: Leitor O Dia

Rio - O agente do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), sequestrado por criminosos quando voltava para a casa, em Bangu, foi torturado por 16 horas, até conseguir fugir. Durante esse tempo, ele ficou amarrado numa árvore, no alto do Morro do 48, no mesmo bairro, com os braços presos com fios e a cabeça enrolada em fita adesiva. Além de levar coronhadas, chutes e socos, a vítima ainda teve que se deitar para que os bandidos passassem três vezes por cima dele de moto. Pouco antes de conseguir se desamarrar, numa distração do grupo, ele já tinha recebido a ‘sentença’: seria queimado, no chamado microondas, no início da noite.

O drama de X., que é lotado no Educandário Santo Expedito (ESE), em Bangu, começou por volta da meia-noite de terça-feira. Ele tinha deixado o plantão na unidade, onde naquele dia havia ocorrido uma rebelião, quando foi abordado por dois jovens, com pistolas, que estavam em motocicletas. O agente foi cercado em frente a um posto de gasolina, a poucos metros de casa, e foi obrigado a seguir numa das garupas. Um dos menores disse para X. que o reconheceu como sendo funcionário do Degase e que, por isso, o levaria para dentro da comunidade. O adolescente era ex-interno e tinha cumprido medida socioeducativa no ESE.

Durante o período em que ficou amarrado, X. ouviu conversas dos criminosos, por telefone, com o chefe do tráfico do morro, que pertence a facção Comando Vermelho. Os bandidos queriam autorização para matá-lo. A permissão foi dada, e o grupo decidiu que ele seria morto, às 18 horas, queimado. O agente, que trabalha há apenas um ano no sistema Degase, também ficou sabendo pelos bandidos que eles acompanhavam a rotina de alguns funcionários.

X. conseguiu escapar por volta das 16 horas, quando policiais do 14º BPM (Bangu) se preparavam para entrar na comunidade para resgatar o agente. Preocupados com a presença dos militares, os criminosos o deixaram sozinho, o que facilitou sua fuga. Ele está internado para fazer exames, mas está decidido a não voltar mais casa. Para o presidente do Sind Degase, João Luiz Pereira Rodrigues, o caso, além de extremamente grave, mostra a fragilidade na segurança dos agentes. Ele defende o porte de arma fora das unidades.


Após tortura, agente do Degase está decidido a não voltar mais para casa Foto: Leitor O Dia

“Vivemos a rotina do medo. Esse agente nasceu de novo. A realidade não permite que nossos funcionários fiquem circulando sem ter como se defender. Se ele tivesse armado, pelo menos teria como reagir. Temos diversos colegas que estão sendo assassinados todos os anos no país. Em 2013, no Rio, perdemos três colegas. É preciso tomar uma atitude. Dentro da unidade, precisamos do EPI (Equipamento de Proteção Individual), para que não ocorra como na rebelião do Santo Expedito. Naquele dia, os agentes tiveram que correr para a rua porque os menores estavam com armas improvisadas”, alertou ele.