O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

terça-feira, 7 de abril de 2015

MEDO DOMINA VIELAS DO ALEMÃO




ZERO HORA 07 de abril de 2015 | N° 18125


GUILHERME MAZUI | Rio de Janeiro


GUERRA AO TRÁFICO. PREOCUPAÇÃO NO RIO


COMPLEXO DE FAVELAS vive clima de tensão após polícia intensificar ação de retomada do morro. Moradores relatam rotina de duelo entre forças de pacificação, milícias e grupo Comando Vermelho


Na casa onde Eduardo de Jesus Ferreira levou o tiro que lhe ceifou a vida, um lençol branco pede a paz que os moradores do complexo de favelas do Alemão desconhecem. O menino de 10 anos foi uma das quatro vítimas da última semana no conjunto de comunidades da zona norte do Rio de Janeiro, que há três meses convive com tiroteios diários entre policiais e traficantes. Eduardo foi enterrado ontem, no Piauí (leia ao lado).

– Dois dias sem tiro é um milagre. A morte do Eduardo deu uma trégua – suspira Renata Trajano, 35 anos, do coletivo Papo Reto.

Quase cinco anos depois da ocupação, em novembro de 2010, o medo de ter o caminho interrompido por tiros de fuzil é constante, apesar das quatro unidades de polícia pacificadora (UPP) e dos 1.230 policiais na região. A PM entrou, projetos sociais não avançaram e o Comando Vermelho se fortaleceu para reconquistar o espaço perdido. No meio de confronto ficam os moradores.

Na tarde anterior ao dia da morte do menino Eduardo, também houve tiroteio. Preocupada, Elisabete de Moura correu para fechar a porta de casa. Ao virar as costas, levou o disparo fatal que ainda alvejou sua filha, que sobreviveu.

– Minha mãe morreu com tiro nas costas dentro de casa. Eu vi o policial que a matou. No dia seguinte, ele estava trabalhando normal – diz o universitário Maycom Brum, 27 anos.

A carnificina gerou protestos contra atuação da PM, e o governador Luiz Fernando Pezão anunciou a reocupação. Desde a quinta-feira, 300 homens do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) tomaram degrau a degrau, laje a laje, a área.

COMISSÃO DA CÂMARA FARÁ AUDIÊNCIA PÚBLICA

Ontem, as patrulhas eram intensas. Moradores andavam nas ruas observados por policiais armados. Um grupo do Choque guarnecia uma creche. Em frente a uma quadra de esportes, barricadas aguardavam eventuais confrontos.

– Tem gente na outra laje com fuzil nos monitorando. A gente pede para que as famílias não circulem com as crianças e que os senhores desçam – orientou um sargento a moradores e ao deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Pimenta esteve no Alemão. Ouviu queixas dos moradores e aguarda relatos sobre as condições precárias de trabalho dos PMs, que também acabam vítimas da violência generalizada. A comissão fará uma audiência pública, ainda sem data marcada, no complexo.

Porta-voz da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), o major Marcelo Corbage define a reocupação como “realinhamento estratégico”, sem a presença das Forças Armadas. Segundo ele, a presença de UPPs em outras favelas força o contragolpe do tráfico.

Haverá mudança na distribuição e nas rotinas das patrulhas. O efetivo terá cursos de recapacitação, ministrados por Bope e Choque com 64 horas de duração.

– Uma das partes do curso terá técnicas de abordagem. O policial deve se portar de forma segura para a comunidade. Esperamos que a morte do Eduardo seja a última – disse Corbage.



Enterrado no Piauí menino morto na quinta

Foi enterrado ontem na cidade de Corrente (PI), a 864 quilômetros de Teresina, o menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, morto após ser baleado no complexo do Alemão na última quinta-feira.

As despesas com estadia da família do garoto, que já havia chegado ao Piauí na noite do domingo, e translado do corpo estão sendo custeados pelo governo estadual do Rio. A coordenadoria das UPPs afirma que Eduardo foi atingido por bala perdida durante confronto entre policiais e criminosos.

A mãe do menino, Terezinha Maria de Jesus, afirma que o filho foi morto por um policial quando brincava na porta de casa. O agente teria ainda a ameaçado de morte. Ontem, Terezinha disse que vai retornar ao Rio para acompanhar a investigação, mas, depois, quer voltar a morar no Piauí.

No Ciep Maestro Francisco Mignone, escola onde Eduardo cursava o 5º ano do Ensino Fundamental, pais, alunos e professores fizeram um minuto de silêncio ontem. Todos os funcionários da escola trabalharam vestidos de preto.



Operação deve durar décadas, diz governador


O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), afirmou ontem que o processo de pacificação no Complexo do Alemão deve durar décadas.

– É um processo que a gente tem sempre que reavaliar. Foram 20, 30 anos de abandono dentro dessas áreas. O próprio Alemão era a central do crime organizado. Não vão ser oito, 10, 15 anos que vão levar à paz – disse Pezão, em entrevista à Rádio Globo.

Além das queixas de truculência e despreparo dos PMs, o Programa de Polícia Pacificadora enfrenta dificuldades com a falta de estrutura nas bases das UPPs. O Ministério Público (MP) do Rio recebeu mais de mil denúncias registradas por policiais militares nos últimos dois anos e, em algumas UPPs, constatou falta de coletes à prova de balas, armamentos e até mesmo de água potável. A informação foi revelada em reportagem do programa Fantástico, da TV Globo.

Segundo Pezão, o programa das UPPs deve receber investimento de cerca de R$ 30 milhões para corrigir problemas emergenciais.