O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

A GUERRA MAIS IMPORTANTE



REVISTA ISTO É 23.fev.18
 


RODRIGO CONSTANTINO



Seja por oportunismo político, seja por convicção genuína, o fato é que a decisão do governo Temer de apelar para a intervenção federal no Rio suscitou intenso debate sobre a criminalidade no País. E poucas vezes ficou tão clara a divisão: de um lado estão aqueles que mascaram a defesa da impunidade com a preocupação com eventuais abusos dos militares, e do outro estão aqueles que simplesmente não aguentam mais o domínio escancarado dos bandidos.

A turma da extrema esquerda correu para tentar impedir a medida, sob o disfarce de ameaça aos “direitos humanos”. Ora, ninguém nega que numa operação dessas há risco de abusos, ou que eles devem ser denunciados. Tampouco se rejeita condições humanas para os marginais detidos. A questão é outra, e no fundo os socialistas sabem disso muito bem, mas tomam o partido dos bandidos, por afinidade ideológica (o roubo visto como um ato de “justiça social”).

Tampouco a medida improvisada está isenta de críticas legítimas. Ao contrário! A direita entende que colocar o Exército na rua é medida emergencial, e que sem outras mudanças estruturais será apenas como enxugar gelo. Não o quer a esquerda, como legalização de drogas, soltura de bandidos ou “investimento social”, mas sim seu oposto: endurecer com os marginais, construir mais prisões, reduzir a maioridade penal, permitir posse de armas aos cidadãos, acabar com as proteções descabidas de quem comete crimes.


Se a guerra contra o crime é necessária, ela representa apenas o começo. Mais importante é a guerra cultural, das narrativas. Ora, em qualquer situação de guerra, presume-se que haverá fatalidades, e que o inimigo não merece tratamento VIP. As baixas já temos, mas concentradas hoje na população trabalhadora. Os marginais já contam com muitas regalias também. É essa mentalidade que precisa mudar.

Quem anda nas favelas carregando um fuzil senão um perigoso assassino? A mesma esquerda que aplaude se o governo proíbe um cidadão honesto de ter uma simples pistola em casa, acha que o bandido com arma de guerra deve ser tratado com leniência? Se tem uma arma dessas na mão, então é alvo a ser eliminado, ponto. A vida do policial e a segurança do povo são as prioridades, não os “direitos” de quem declarou guerra ao sistema.

Ninguém nega que numa operação dessas há risco de abusos, ou que eles devem ser denunciados


Esse é apenas um entre tantos exemplos do que precisa mudar. Os responsáveis pela segurança precisam contar com mais direitos, não os bandidos. A violência é fruto direto da impunidade. O Brasil não prende muito. Isso é balela! O Brasil tem é muito marginal, graças a essa visão romântica de muitos, que retira a responsabilidade do indivíduo para colocá-la na “sociedade”. É essa guerra que precisa ser vencida. Só aí teremos chances de vencer a guerra real contra a bandidagem.

FILHO DE MARIA




ISTO É Edição 23.02.2018 - nº 2514

André Vargas


O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira foi o primeiro comandante de tropas brasileiras no Haiti, entre junho de 2004 e setembro de 2005. Lá enfrentou situações parecidas com as que o Exército encontrará nas favelas do Rio de Janeiro durante a intervenção federal: criminosos bem armados, um terreno difícil e uma população tornada refém. Na reserva desde 2011, ele possui trânsito entre o alto oficialato, tanto que usa o pronome “nós” ao se referir ao Exército e aos colegas de farda. Entre seus interlocutores está o interventor nomeado pelo presidente Michel Temer, general Braga Netto. Para o general Heleno, os principais pontos a serem acertados pelo governo federal no Rio são a dotação de meios (homens e equipamentos) e a criação de regras para uso da força contra criminosos, a fim de que no futuro ninguém seja acusado de abusos. Ponderado, sua conversa só desanda quando discorre sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que apontou os colaboradores e torturadores da ditadura militar (1964-1985).


As forças armadas estão preparadas para combater em áreas repletas de civis?


O Exército atuou por 13 anos no Haiti e há similaridades. Lá não havia pontos de vendas de drogas mantidos com sacrifício de vidas, mas a sensação para os soldados é muito parecida. Há risco de tiros, inferioridade geográfica e possibilidade real de confronto com grupos armados.




Quem estiver de fuzil na mão deveria ser alvo, podendo ser morto mesmo sem acionar o armamento. Hoje criminosos fazem isso por deboche, depois correm para se esconder


O senhor acredita que só tropas nas ruas podem acabar com os tiroteios?



Seria muito difícil. O Rio de Janeiro é uma cidade gigantesca. Não há efetivo nem condições para estarmos em todos os lugares. É preciso fazer uma seleção dos pontos críticos e depois ir expandindo. Isso foi feito em Porto Príncipe. À medida que pacificávamos um local, passávamos para outro.



Em que situações o Exército vai poder atirar?



Que a atuação seja respaldada pela lei. Regras de engajamento devem balizar o comportamento das tropas. Em todas as missões da ONU, essas regras estão guardadas nos bolsos dos militares para não haver dúvidas. No Haiti, valiam as das missões de imposição da paz, que pregam a proporcionalidade de forças. Se o bandido está de fuzil, não se pode atirar nele de canhão. Outro ponto: se o sujeito demonstrar alguma intenção hostil, é possível chegar à letalidade [atirar para matar], a fim de evitar baixas entre a população inocente. Só que antes ele precisa ser advertido, mesmo que o ato hostil não tenha ocorrido. No Haiti, quando tocavam fogo em pneus no meio da rua, pegávamos o megafone e alertávamos em francês que eles estavam sujeitos a ser alvejados. Se continuassem, que arcassem com a responsabilidade.


Mas o Brasil não é o Haiti.



No caso daqui, antes defendo uma ampla campanha de divulgação em todas as rádios e TVs alertando que não dá mais para tocar fogo em ônibus, roubar cargas, bloquear ruas, atirar para o alto e, sobretudo, exibir ostensivamente armas, principalmente as de guerra, como fuzil, submetralhadora ou pistola de grosso calibre. Quem estiver armado assim, será alvo das forças legais, podendo ser morto mesmo sem acionar o armamento. Hoje, eles [criminosos] fazem isso por deboche, saindo por aí na garupa de motos portando fuzis diante da polícia. E ninguém pode atirar, pois uma bala perdida vai acertar numa criança ou numa senhora grávida. Não vivemos uma situação normal no Rio, por isso temos que tentar mudar. Há reação contra algumas medidas, mas é preciso entender que a intervenção já é uma excepcionalidade.


O que é preciso para que a intervenção funcione?


Flexibilidade, mobilidade e tropas especializadas. Flexibilidade são as regras de engajamento. Elas podem parecer violentas, mas não o são diante de um adversário violento. Por isso é preciso atingir um nível de resposta compatível com o de quem está do outro lado. Não dá para ser filho de Maria nessa hora. Já a mobilidade são meios aéreos que permitam deslocamentos rápidos por uma cidade congestionada como o Rio. Com três tiros é possível travar a Linha Amarela. Helicópteros permitiriam atuar tanto em situações de emergência, como em operações que exijam rapidez e sigilo. As tropas também precisam ser especializadas e compostas, de preferência, por gente que não more no Rio de Janeiro.


Como garantir a segurança da população diante de criminosos bem armados de um lado e militares do outro?


Sendo comedidos, como no Haiti. Buscando se aproximar da população, ressalvando os direitos humanos, o estado de direito e contando com respaldo jurídico naquelas situações em que há dubiedade.


Há também problemas institucionais, como corrupção nas polícias. Isso tropa e comando não resolvem. O que fazer?


Esse é um dos problemas mais sérios a serem resolvidos no curto prazo. Quando os policiais percebem que os exemplos do mais alto escalão são nefastos, acabam cedendo, se não tiverem a grande convicção de que o melhor é ser honesto. Se o chefe não tiver moral para colocá-los na cadeia, facilmente eles se acharão no direito de se locupletar.


Isso é regra?


Convivi minha vida inteira com policiais. A maioria é honesta e respeita a farda. Também é preciso melhorar a seleção e formação. Como é preciso colocar gente na rua com rapidez, eles acabam não recebendo a preparação adequada. Isso exigiria um trabalho de longo prazo. Antes, porém, seria preciso um expurgo. Há gente na polícia que sabe apontar quem deve sair e dá para fazer uma limpa. O problema é que os meandros judiciais não garantem que isso funcione, já que existem tantas instâncias, embargos e procrastinações que o sujeito leva 20 anos para ter uma punição.


Que ações seriam necessárias para que não aconteça o que ocorreu com as UPPs?


Elas provocaram uma migração da bandidagem. Outros lugares, como Niterói, pioraram, pois muito bandido foi para lá. Além disso, no início eram poucas unidades, com efetivos compatíveis. Só que não ocorreram ações em outros níveis de poder para que as UPPS mudassem a vida dos moradores, com a chegada de educação, saneamento e postos de saúde. Daí o policial conclui que está colocando sua vida em risco sem que nada melhore. Junto com esse desgaste, as UPPs se espalharam pelo Rio sem efetivos, com policiais muito novos e acabaram contaminadas. Hoje suas casinholas viraram alvo de tiros.


Em conversas com colegas que ainda envergam farda, qual é o ânimo em relação à decisão do governo?


Nós somos patriotas. Uma medida dessas, ainda que tenha sido de surpresa, sempre será bem acolhida. Não vai haver sabotagem, protestos ou críticas desenfreadas. É óbvio que estamos preocupados, pois sabemos da gravidade da situação do Rio. Também sabemos que a conjuntura jurídica do Brasil hoje é muito ruim, em todos os aspectos. Esse é um sentimento generalizado, não só no meio militar.



O general Villas Bôas tem razão. Daqui a 30 anos vão dizer que os militares que participaram da intervenção no Rio eram torturadores


O ministro da Defesa disse que o Exército não terá poder de polícia. Como assim?


Isso é surreal. Como se chama uma força para atuar na segurança pública sem lhe dar poder de polícia? Não acredito nisso. Além do mais, a Constituição dá direito a qualquer cidadão prender alguém em flagrante delito. Isso é claro. Quando se fala em poder de polícia, se trata muito mais do poder de investigar. Além do mais, o decreto de intervenção é muito mais forte que os decretos de GLO [Garantia de Lei e da Ordem].


Juristas afirmam que mandados de busca coletivos são ilegais. Como vasculhar uma grande área sem esse instrumento legal?


Ninguém foi ouvir o que pensam as forças legais e o interventor. No Haiti, não dependíamos de mandados e fizemos vários cercos e revistas sem cometer atos arbitrários. Isso [o direito de fazer buscas] estava dentro de uma medida de exceção, como é a própria intervenção agora. Até conversei com o general Braga Netto sobre isso. Sei por ele que a intenção não é sair pelas comunidades vasculhando a casa de gente que nada tem nada com a história. Ninguém irá lá só para mostrar serviço. Essas ações serão precedidas de trabalhos de inteligência ou de evidências. Temos que sair dessa burocracia exagerada que dá cada vez mais liberdade aos criminosos. É isso que as pessoas não estão entendendo.


O comandante do Exército, general Villas Bôas, afirmou que deseja garantias de que as ações militares não gerem uma nova Comissão Nacional da Verdade. Se os limites da lei não forem ultrapassados, isso não ocorrerá. Onde ele quer chegar?



A nossa geração, minha e dele, foi toda formada no regime militar. Eu saí oficial em dezembro de 1969. O regime durou até 1985. Por 15 anos, como tenente e capitão, vivi a fase de contenção da luta armada para que o Brasil não virasse uma Colômbia, que não tivéssemos aqui uma Farc ou virássemos uma Cuba. Nenhuma organização da luta armada fazia qualquer referência à democracia. Pode procurar. Alguns de seus ex-integrantes têm a dignidade e a coragem de declarar isso.


Mas houve tortura.


O que aconteceu é que as ditas forças de repressão eram formadas para combater a luta armada. Seus integrantes cumpriram as missões que lhes foram dadas. Depois, muitos deles, como o pai do general Sérgio Etchegoyen [o general Leo Guedes Etchegoyen], do Gabinete de Segurança Institucional, acabaram relacionados pela Comissão da Verdade como torturadores. Ele nunca teve nenhuma participação. A Comissão da Verdade só apurou excessos, crimes e torturas do lado das forças legais. Os integrantes das organizações que lutaram para derrubar o regime militar e, por trás, tentaram fazer do Brasil uma república popular, tipo China, são como heróis. Ganharam indenizações, polpudas aposentadorias e passaram em branco. Eles não mataram guardas de banco, soldados, um capitão americano [Charles Chandler] na porta de casa e o presidente da Ultragás [o dinamarquês Henning Albert Boilesen]? Essa Comissão foi um festival de mentiras e distorções. O general Villas Bôas tem razão. Daqui a 30 anos vão dizer que os militares que participaram da intervenção no Rio eram torturadores.

A RETOMADA DA CIDADANIA, SERÁ?




Leo Correa

A RETOMADA DA CIDADANIA

Mário Simas Filho é diretor de redação da revista ISTOÉ

Olhar a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro sob a ótica ideológica pode trazer algumas imagens turvas. Não está em jogo a discussão de poder civil ou militar, muito menos liberdades e direitos fundamentais. Essas são questões teoricamente já resolvidas no País. Trata-se, sim, de uma operação de resgate da cidadania. E não existe Estado Democrático de Direito onde não há cidadania. O que queremos ver no Rio de Janeiro nos próximos meses está longe de serem baionetas se impondo sobre a sociedade civil, mas as Forças Armadas a serviço da sociedade, tendo como limites para a ação todos os preceitos impostos pela Constituição. Talvez outras razões possam ter influenciado na decisão de intervir na segurança fluminense, mas, quaisquer que sejam elas, deverão ser postas de lado. Do contrário, apenas teremos militares nas ruas. O problema da segurança continuará e ainda desmoralizaremos nossas tropas.

Esse pode ser o momento oportuno para que finalmente se construa efetivamente um projeto nacional de segurança pública, coisa que muitos falam, mas nada fazem, embora existam dezenas de ONGs tratando do tema. Lembremos que o PSDB passou oito anos no governo federal, há décadas comanda importantes Estados e não colocou em prática nenhuma política efetiva de segurança pública. Apenas enxugou gelo. Pode-se dizer o mesmo do PT que passou 14 anos no Palácio do Planalto e se limitou a colocar debaixo do tapete as questões da segurança pública. E de nada vale, diante dos corpos de crianças sem vida, vítimas de balas perdidas, ficar pontificando números de investimentos em viaturas, policiais, armamentos etc. Claro que faltam recursos, claro que verbas são desviadas, mas a questão é bem maior. Fora de PT e PSDB, forças tidas como mais conservadoras também se mostraram ao longo dos anos incapazes de formular um projeto de segurança. Têm representação no Congresso e se limitam a entoar o discurso do ódio, da intolerância, da segregação e da violência. Experiências de diversas partes do mundo ensinam que não se combate crime organizado armando a população e reduzindo a maioridade penal. É preciso muito mais. No caso do Rio de Janeiro, seria um bom começo afastar os diversos comandos da PM e da Polícia Civil, que, como já manifestou o ministro da Justiça, Torquato Jardim, estão comprometidos. Com os corruptos longe e punidos, é possível que a população comece a olhar as forças de segurança como um exército do bem.

A imagem do resgate da cidadania é talvez a que melhor represente esse momento. Só conseguiremos sucesso nessa missão se a sociedade unir-se em torno de um projeto que deve ser transparente e apresentado o mais rápido possível. Generais que cogitam torturar como método para se combater o crime devem ser dispensados. Assim como qualquer outra ideia que confronte o Estado Democrático de Direito. Responsabilidade, ética e compromisso com o País são armas indispensáveis na guerra contra a violência. Se interesses partidários ou vaidades pessoais se sobrepuserem, a situação poderá ficar ainda mais difícil. Continuaremos a sofrer no presente e a matar o futuro.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -  MAIS UM EQUÍVOCO. A intervenção das forças armadas no Rio será paliativa sem o Estado de Defesa. Não terá capacidade de restabelecer a ordem pública porque não tem a força da lei e da justiça exigida no Estado Democrático de Direito. Assim com a pacificação, a intervenção sairá derrotada, pois focará nas polícias e nos presídios, sem alcance e sem suporte no Judiciário e no Legislativo onde imperam a permissividade, a leniência, o garantismo e a impunidade do crime.  A cidadania, o exercício, a garantia e a preservação dos direitos, só será possível com lei, justiça, ordem pública e bandidos na cadeia, isolados, extraditados, cumprindo pena e sabendo que o crime, por menor que seja, não compensa.

A VIDA SOB INTERVENÇÃO



Um delegado de polícia, uma moradora de Ipanema e um ativista da Rocinha­­. Acompanhamos a rotina de três cariocas ao longo da última semana para mostrar o que mudou e o que ainda precisa melhorar para que a cidade se torne de fato mais segura



ABORDAGEM Militar revista morador da favela do Kelson’s, na zona norte do Rio, onde uma mulher foi torturada por traficantes na segunda-feira 19: desafio é agir sem abusar da força (Crédito: Leo Correa)


REVISTA ISTO É Eliane Lobato 23.02.18 - 18h05



O carioca mistura os sentimentos de esperança e suspeita quando o assunto é a intervenção federal em vigor desde a sexta-feira 16 na segurança pública em todo o estado do Rio de Janeiro. “Torço, como todos, para que essa intervenção seja bem sucedida e que tenhamos um pouco de paz. Um pouco, não. Queremos paz completa. Não é pedir muito, é?”, indaga a gerente comercial Kika Gama Lobo, 53 anos, moradora de Ipanema. Criadora da hashtag “Riode Merda”, ela diz ter sido hostilizada por sua postura crítica em relação à segurança. “Criei isso depois que minhas duas filhas foram assaltadas. Foi meu meio de desabafo e de colaboração. Ali, falo de roubalheira, de falta de ética – e elogio também”. Assim como ela, moradores das zonas nobres da cidade dizem não ter percebido uma diferença significativa nas ruas durante a primeira semana de intervenção. Isso porque os tanques, blindados e soldados das Forças Armadas não ocupam os pontos turísticos e bairros da zona sul – como já ocorreu em eventos de grande porte, como os Jogos Olímpicos de 2016. As ações começaram em locais estratégicos, com a ocupação de rodovias federais e estaduais, varredura em presídios e patrulhamento de favelas violentas. Em uma delas, a do Kelson’s, no Complexo do Alemão, uma moradora foi torturada por traficantes na segunda-feira 19. O motivo: suspeita de ter passado informações do tráfico para agentes das Forças Armadas.

Nascido e criado na favela da Rocinha, na zona sul, Leandro Lima, 35 anos, viveu uma dramática experiência tempos atrás, quando foi parado, numa viela por policiais do Bope. “Eu estava indo para o trabalho e um policial começou a me fazer perguntas com uma arma apontada para minha cabeça e o dedo no gatilho. Eu só pensava que se algum mal entendido acontecesse e o dedo dele apertasse, minha vida acabaria ali.” Lima é cameraman da TV Globo, mora na parte alta da favela e dirige a mídia comunitária FaveladaRocinha.com, que distribui um jornal impresso na comunidade e está presente em mídias sociais. Ele faz parte do grupo que gravou o vídeo “Dicas para Sobreviver a Uma Abordagem Indevida”, que aconselha ao jovem negro de favela, por exemplo, a não usar guarda-chuva de cabo longo pois isso pode ser confundido com uma arma e a carregar o cupom fiscal de qualquer objeto que ele esteja portando, seja um iPhone ou um cordão para comprovar a compra e descartar o roubo. “Os moradores de favelas estão apreensivos porque têm sofrido incursões truculentas ao longo dos anos, sem solução para eles. Não são tratados como cidadãos, as portas de suas casas podem ser arrebentadas por chutes”, diz Lima. “Para nós, é mais do mesmo. A pior violência que sofremos nas favelas não é a da falta de segurança e, sim, da falta de saneamento básico, transporte, posto de saúde, educação, cultura”, afirma. Leandro Lima 35 anos, morador da Rocinha, São Contado Profissão Cameraman e fundador da mídia comunitária FaveladaRocinha.com (Crédito:Stefano Martini)

O Delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), Orlando Zaconne, 54 anos, disse à ISTOÉ que o clima entre os policiais também é de inquietação: ”O delegado é uma autoridade jurídica. A partir do momento em que a segurança pública passa a ser comandada por militares, gera desconforto.” O delegado lembra que a intervenção está sendo discutida e espera-se que haja “garantia democrática do exercício da função policial.”
Kika Gama Lobo 53 anos, moradora de Ipanema Profissão Gerente comercial, criadora da plataforma Atitude 50 e da hashtag “RioDeMerda” (Crédito:Stefano Martini)

Não são poucos os especialistas em segurança pública ou da área acadêmica que duvidam do bom resultado da operação comandada pelo general Walter Souza Braga Netto, em especial por dois motivos: a indefinição sobre o aporte financeiro federal para suprir as graves necessidade da Polícia e pelo desconhecimento de qual será o plano de segurança pública para o estado. Para o antropólogo Rubem César Fernandes, também fundador da ONG Viva Rio, o povo fluminense “já teve muitas esperanças de combate à violência que levaram à desilusão.” Uma delas, foi o projeto Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que “mostrou o caminho a partir de 2008 e chegou à decadência nos últimos anos.” A suspeição se deve, especialmente, aos confrontos com armas em favelas onde a maioria dos moradores é de cidadãos honestos, mas que, infelizmente, vivem em áreas controlados por bandidos. “E ninguém aguenta mais tanto tiro”, diz o antropólogo. Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz que a “motivação é política e está longe de significar solução para a questão da segurança pública no estado.” Ele frisa a importância de destinação de verbas para recuperar o aparato policial do Estado, contratar policiais ou recuperar viaturas.

“O delegado é uma autoridade jurídica. A partir do momento em que a segurança pública passa a ser comandada por militares, gera desconforto” Orlando Zaconne, delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada Orlando Zaconne 54 anos, morador da Barra da Tijuca Profissão Delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE) (Crédito:Stefano Martini)

Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema penitenciário do Rio e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), diz que a intervenção pode momentaneamente transmitir sensação de segurança. “Mas se não resolvemos algumas questões básicas, não vamos a lugar nenhum.” Questões básicas são a corrupção dentro da polícia e a estratégia de enfrentar o varejo do tráfico à bala. No início da semana, uma operação policial em Caxias, na Baixada Fluminense, deixou um homem morto e outras duas pessoas feridas, entre elas uma criança. Revoltados, moradores atearam fogo em um ônibus ­­— cenas que a intervenção ainda não foi capaz de suprimir da rotina do Rio.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, A PAZ SOCIAL NÃO SE GARANTE PELAS ARMAS E SIM PELA FORÇA DA LEI E DA JUSTIÇA. Por isto, as estratégias de pacificação não deram certo e nem esta intervenção sem Estado de Defesa conseguirá o objetivo de restabelecer a ordem pública no Rio. Será paliativa e temporária. Não haverá "PAZ COMPLETA", mas no máximo "sensação de segurança" em alguns lugares até encerrar a "intervenção".

A questão maior não é a corrupção nas polícias e nos poderes e sim a impunidade desta corrupção e a impunidade dos traficantes, favorecidas pela omissão, conivência, irresponsabilidade, leniência e permissividade das autoridades que não impõem leis severas, um sistema de justiça ágil e coativo, e políticas sociais capazes de resgatar a população das mãos do crime, punindo os bandidos, extraditando os traficantes internacionais, policiando as fronteiras e fortalecendo as polícias expulsando os corruptos e capacitando em efetivos e recursos.