O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

sexta-feira, 2 de março de 2012

FOI UM RIO QUE PASSOU EM MINHA VIDA

Foi um Rio que passou em minha vida - Jô Rodrigues, O GLOBO, 30/11/2010 às 13h24m; Artigo do leitor.

A letra do belo e eterno samba, cantado pelo genial Paulinho da Viola (portelense como eu), é perfeitamente condizente com a filosofia que norteia os cariocas, num momento tão difícil de retomada da legalidade e da paz em algumas de suas favelas, antes dominadas por traficantes - de drogas e de armas - e marginais de toda espécie.

Aquele Rio do passado, romanticamente mostrado também em músicas de Noel Rosa, Martinho da Vila e outros gênios da MPB, se transformou - em alguns pontos - em meras lembranças, diante da onda avassaladora da criminalidade, que não admite obstáculos para atingir seus objetivos de dominar mentes e ganhar dinheiro.

Rocinha, Alemão, Mangueira e até a antes pacata Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do Rio, com o passar dos anos, se transformaram em pesadelos, quer para seus moradores, quer para as autoridades, que - talvez por comodismo ou por politicagem barata - insistiam em não ver o que estava ali, vivo, pulsante, diante dos seus narizes.

E assim foram crescendo monstros como Fernandinho Beira-Mar, Elias Maluco, Zeu, e aumentando - de modo descomunal - a vertente mais perigosa da criminalidade: o tráfico de drogas e de armas, que corrompeu mentes, corações, corpos, e alimentou uma indústria que, à época do Rio romântico (onde o único perigo era os bicheiros, com seus jogos de azar), era incipiente e não preocupava ninguém.

O "Rio que passou em minha vida", de fato, passou. Hoje, não é apenas um rio, mas um mar de crimes, seqüestros, contrabandos, tráfico de armas, lavagem de dinheiro, corrupção, banditismo, que não se infiltraram apenas nas favelas, nos bairros pobres periféricos - como a Vila Cruzeiro, a poucos quilômetros da bucólica Igrejinha da Penha - mas em todas as esferas da vida carioca, inclusive nos poderes Legislativo e Judiciário.

Com o incremento do tráfico, do banditismo, da opressão aos moradores - que tinham que cooperar, sob pena de serem trucidados - surgiram também os nefastos "vigilantes", ex-militares e afins, que detectaram um terreno fértil à sua frente. Afinal, com a desculpa de combaterem os marginais que infestavam as comunidades, também eles passaram a infernizar a vida dos moradores.

Eles, diante da inoperância estatal, criaram líderes e até os elegeram para as Câmaras Legislativa Estadual e dos Vereadores. Encastelados em seus mandatos e na onda de impunidade, tinham como objetivo barrar projetos saneadores e, se pudessem, fazer leis que beneficiassem o sistema. Alguns já foram engaiolados, perderam seus mandatos, mas outros permanecem firmes em seus postos, desafiando a lei e a ordem. Até quando?

Antes, era o Rio romântico, dos "barões" do jogo do bicho, alguns dos quais até hoje são os maiores destaques de suas escolas de Samba. Agora, é o Rio sem dono, onde surgiu o império dos traficantes e dos vigilantes. E a população, como é que fica?

Tal e qual o marisco, que sofre encurralado entre o mar e os rochedos, os moradores dos bairros e favelas atingidos pela onda marginal ficaram impotentes e foram usados como massa de manobra. Ou colaboravam ou morriam. E mais: tinham seus filhos e filhas recrutados pelos marginais. Os meninos foram "promovidos" a soldados do tráfico, e as meninas, a amantes dos traficantes. E surgiu a gravidez prematura, indesejável, que macula lares de pessoas simples e amantes da paz.

Rapazes e moças corrompidos, pais impotentes, autoridades que não se atreviam a enfrentar os marginais, aumento do tráfico de drogas, de armas e de dinheiro, perda de autoridade - por parte dos governantes - e aumento de poder - por parte dos comandantes da marginalidade -, eis em que se transformou o antes romântico Rio de Janeiro.

Martinho e Gabriel Pensador cantam: "Sou carioca, sou do Rio de Janeiro... E o Carnaval? Tem Carnaval o ano inteiro; de março a fevereiro..." Mas a mesma música também diz: "É... Tem mendigos, traficantes, contrabandistas. Tem bandidos, polícias, ladrão; falta saneamento, falta segurança, para adultos e crianças. Esta cidade é um caos..."

Retrato, puro e simples, como a letra do samba, de um Rio que começou romântico, "passou em minha vida, e o coração se deixou levar", no Império e na República, foi ganhando habitantes, favelas e daí para a criminalidade foi só questão de tempo. Pouco tempo...

Hoje, lá no bairro Vila Cruzeiro, transformado em favela e criadouro de marginais e tráfico de drogas, e no Complexo do Alemão, foi feito um movimento de recuperação da imagem e do sonho carioca, de uma vida livre de preconceitos e de tabus, onde o samba e a alegria deveriam imperar.

Agora, depois da "limpeza" promovida pelas autoridades - que, enfim, acordaram - começa a surgir uma nova mentalidade, novo estado de espírito, embalados pelas bandeiras brasileira e do Rio de Janeiro, que tremulam bem lá no alto onde, antes, imperavam os marginais. E não distante dali, sobre o Corcovado, está o mais conhecido e venerado símbolo carioca, o Cristo Redentor. De braços abertos, o Senhor ali simbolizado, parece dizer: "Seja bem-vindo Rio Antigo. Eu o saúdo e o abençoo".

Nenhum comentário:

Postar um comentário