O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

sexta-feira, 2 de março de 2012

TROPA DE ELITE 2 - AS MILÍCIAS E A POLÍTICA


Tropa de Elite 2, as milícias e a política - Cristina Martins, o Globo, 21/10/2010 às 16h07m
Artigo da leitora.

Em entrevista recente, o ator Wagner Moura se declarou impressionado com a quantidade de discussões geradas pelo filme 'Tropa de Elite' e disse acreditar que o primeiro passo para qualquer movimento de mudança é o debate. Concordo com ele e, por isso, aguardei com ansiedade as reações da crítica e do público explicitadas nos jornais, nos botecos, nos centros acadêmicos e também nas redes sociais. Passados apenas poucos dias, desde sua estréia, 'Tropa de Elite 2' atingiu a marca de quatro milhões de espectadores e já aparecem leituras diversas da obra de José Padilha.

Parecemos todos concordar que 'Tropa de Elite 2' é ainda melhor do que o primeiro. O filme fala, com enorme competência, das forças que incidem sobre as políticas públicas no Brasil, mostra a força do capital eleitoral nas comunidades dominadas pelo poder das milícias e revela como os políticos que elegemos nos últimos anos fazem uso deste poder, alimentado o sistema. Ainda assim, sofro de um incômodo provocado pela impressão de haver uma lacuna nos debates sobre o filme. Me parece que há algo nas entrelinhas dos diálogos de 'Tropa' que ainda não foi explorado.

Em debate promovido pelo jornal 'O Globo' tive a chance de refazer a José Padilha, Luiz Eduardo Soares, Wagner Moura, Marcelo Freixo e Ignácio Cano a questão que fecha o longa-metragem - pedi que respondessem a seguinte pergunta: "Quem você acha que sustenta o sistema?". As respostas, inteligentes como não poderiam deixar de ser, apontavam para políticos inescrupulosos e para uma polícia corrupta que serve a uma pequena parcela da população, elas ressaltavam timidamente a desigualdade social e finalmente, nos convocavam a fazer uma autocrítica sobre o nosso papel de eleitor.

No entanto, nas falas daqueles que mais conhecem de violência no Brasil ou nos comentários anônimos, ainda não ouvi sequer uma alusão à necessidade de mudanças mais profundas nos valores de nossa sociedade. Quais são as ações que favorecem de fato o sistema, e como? Então os milicianos são encarnações do mal que se criam, se fortalecem e se proliferam em um vácuo social? Tendo a rejeitar esta possibilidade e proponho a reflexão sobre as circunstâncias nas quais os podres poderes são criados e mantidos. A partir da realidade ficcionalizada do filme, talvez possamos olhar para nós mesmos e encontrar no nosso cotidiano o alimento que nutre um sistema que nos assombra.

Talvez a peça faltante nesta discussão seja a nossa descrença na possibilidade de mudanças do sistema, o fato de não supervisionarmos o trabalho daqueles que elegemos aliado a capacidade que temos de nos isentar de nossas responsabilidades. Mais ainda, a maneira pela qual nossa luta desenfreada pela sobrevivência (e demais graus de acumulação financeira) nos priva de uma autocrítica mais profunda. A mim parece que, no Brasil, dinheiro, imóveis e bens materiais seduzem imediatamente nossos olhares, funcionando como imãs para a sociedade. Ou alguém discorda da capacidade que o dinheiro tem de atrair amigos, mulheres e companheiros de luta? Dito de outro modo, no nosso país, dinheiro é sinônimo de respeito e dignidade. E como todos nós queremos respeito (por nós entenda-se eu, você, políticos, traficantes e policiais) uma supervalorização do poderio econômico conjugada ao desinteresse político pode funcionar como espécie de fertilizante das milícias.

Enquanto aplaudirmos a acumulação de riquezas sem questionarmos sua origem, enquanto for o dinheiro o definidor inquestionável de sucesso, enquanto tratarmos o poder como meio de obtenção de vantagens pessoais e o voto como instrumento para defesa de interesses individuais, daremos espaços para políticos corruptos disputarem cargos públicos, votos, dinheiro e, até mesmo, a nossa admiração.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A autora acerta quando questiona "a peça faltante nesta discussão seja a nossa descrença na possibilidade de mudanças do sistema, o fato de não supervisionarmos o trabalho daqueles que elegemos aliado a capacidade que temos de nos isentar de nossas responsabilidades", mas esquece os motivos desta descrença - a negligência na função coativa do Judiciário que amarra, inutiliza, não dá continuidade e desmoraliza este poder.

Quem sustenta o sistema não são os "políticos inescrupulosos, a polícia corrupta, a desigualdade social ou o eleitor passivo". Estes são apenas reflexos de um Estado desorganizado, separado, corporativsta, desarmônico, tolerante e conivente com o estado de desordem pública, insegurança jurídica, morosidade judicial, falta de autoridade e desacreditado, fatores que estimulam a criminalidade, a violência, a corrupção, a ineficácia policial, as farras e desvios de dinheiro público, os privilégios, os salários públicos extragantes e a impunidade.

As mudanças mais profundas nos valores de nossa sociedade são prejudicadas pelo sentimento de impotencia que adorme o espírito moral e político do brasileiro que já paga altos tributos para manter as máquinas públicas mais caras do planeta. Na minha opinião, estas mudanças deveriam partir de uma reformulação profunda na postura, na estrutura e na condução do papel da justiça neste país. Só uma justiça coativa e diligente na aplicação da lei, da ordem e da justiça neste país poderá evitar que as "encarnações do mal" não se criem ou proliferem seus tentáculos.

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