O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

sexta-feira, 2 de março de 2012

TROPA DE ELITE 2 E A HIPOCRISIA


Tropa de Elite 2, por Marcos Rolim, marcos@rolim.com.br. Jornalista - Zero Hora, 24/10/2010.

O primeiro filme foi um enorme sucesso e provocou uma discussão sem fim. Pela primeira vez nas telas nacionais, o cotidiano do Bope – “o batalhão que não faz prisões” – era apresentado de maneira realista sob a narração de um personagem central, o Capitão Nascimento, cuja força dramática impressionou a todos. Houve quem, apressadamente, classificasse o filme de “fascista” por, de alguma forma, permitir a identificação do público com a violência policial. Havia mesmo um problema a ser desvendado, mas ele estava mais no público que no filme.

Na sessão em que assisti ao Tropa de Elite 1, algumas pessoas aplaudiram as cenas de tortura e, ao final do filme, um cidadão que descia as escadas atrás de mim lascou: “Com uns 10 caras como este, a gente acabava com o crime em Porto Alegre”. Ilusão típica da classe média brasileira, a ideia de que a melhor resposta ao crime e à violência é o crime e a violência praticada pelos “agentes da lei” seria risível, não fosse ela mesma um dramático atestado de pouca inteligência e nenhum compromisso ético.

Tropa de Elite 2 retoma a trajetória de Nascimento, agora coronel guindado a uma posição secundária na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. A estrutura narrativa é a mesma, mas o contexto é outro. Nascimento – o personagem baseado no capitão Pimentel – contrasta com Fraga, um deputado militante dos direitos humanos – inspirado no deputado Marcelo Freixo (PSOL), que se notabilizou por dirigir a “CPI das Milícias” no Rio. Os problemas da segurança pública seguem sendo abordados desde o olhar do protagonista-narrador, com outra atuação magistral de Wagner Moura. Este “detalhe”, aliás, é fundamental: o filme é o olhar de um policial honesto, mas violento. O que ocorre, entretanto, é que este olhar – rico em suas contradições, virtudes e limites – se desloca. O personagem vai se dando conta de que todo o seu trabalho no Bope era instrumentalizado por políticos venais.

No desenrolar da trama, Nascimento se aproxima de Fraga, que é, na verdade, o mais lúcido dos participantes. Com este deslocamento, Tropa de Elite 2 conduz seu público “pela mão” para um patamar superior de consciência, sem permitir, em nenhum momento, que este efeito pedagógico autorize o tom panfletário ou o maniqueísmo. Estamos diante de um drama real contado por alguém que esteve, como seu público, encharcado por preconceitos e que, finalmente, percebe o que havia de falso e ameaçador em todo o discurso no qual havia acreditado.

Assim, se no primeiro filme o tráfico de drogas aparece como sendo um subproduto da conduta irresponsável dos consumidores – os “maconheiros” –, agora Nascimento depara com o flagrante de maconha encontrada com seu filho o que, é claro, oferece à audiência um contraste provocador.

O discurso punitivo produzido por setores da mídia está retratado na conduta de “Fortunato”, o nojento comentarista de TV que pede “porrada nos bandidos” para se eleger deputado e comandar o crime organizado pelas milícias cariocas. Hipocrisia, violência, corrupção e manipulação andam de mãos dadas, e Nascimento, agora, luta contra isto. O anti-herói se converte, mesmo que ao preço de seus sonhos. O que marca o filme pela desesperança apenas aparentemente. A esperança, afinal, mora ao lado e Fraga tinha razão. Filmaço.

Seria risível, não fosse ela mesma um dramático atestado de pouca inteligência.



CRÍTICA - trecho da postagem no Blog "Tudo (é) Crítica" - Pedro Henrique Gomes
14/10/2010.


E o filme é assim: cheio de detalhes cênicos tão importantes quanto discretos, mas que compõem um universo de representação de uma realidade externa construída detalhadamente. Vejam Fraga lutando na câmara dos deputados contra o Presidente da câmara, que se sente ofendido com as palavras do professor e inicia sua “defesa”: a câmera se aproxima de sua fúria, revelando um Jesus Cristo pendurado na parede, numa crença explicitamente cega numa “verdade” que é falsa. Essas cenas doem no espectador, pois é aqui fora, na realidade, que Tropa de Elite 2 se complementa quando vemos as mesmas coisas acontecendo diariamente. Mais descarado ainda é a crítica do filme através do programa Mira Geral apresentado pelo deputado Fortunato (André Mattos), que faz parte do grande grupo corrupto que controla o poder – no seu caso a mídia, onde faz juras de amor a justiça enquanto é mandante de diversas mortes. Essa realidade é claramente uma crítica ácida a um sistema tão polidamente corrupto, que se faz “dono do mundo e das pessoas” para o bem pessoal. E que, como o filme parece entender, diferentemente do primeiro, o verdadeiro inimigo está muito acima do traficante lá do morro. A coisa toda é muito mais complexa. Por isso Tropa 2 acaba sendo um filme também mais bem elaborado, pois atinge todos os níveis (e desníveis) da sujeira. Quando Fraga vai ao cinema com sua esposa, não raro está em cartaz naquele cinema Z (filme-doutrina-mestre para qualquer filme sobre a politicagem), clássico cinema-político de Costa-Gavras.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O roteiro de José Padilha e Bráulio Mantovani tem a capacidade de transmitir ao público uma visão real do que está acontecendo no Rio que está aterrorizando e vitimando civis, militares e policiais, adultos e crianças, num cenário de guerra urbana cujas batalhas, tiroteios, bondes armados, arrastões, armas de guerra produzem pânico e corre-corre entre moradores, crianças e policiais, assistido pelo Brasil inteiro há décadas. Porém, esta mesma visão não é captada pelos olhos dos políticos, governantes, policiólogos, "especialistas sociais" e pelos magistrados. Estes parecem dotados de uma visão míope focada apenas nas polícias e nos fatores da desigualdade social. Enxergam a corrupção policial sem ver os salários miseráveis, a falta de condições, o desamparo legal e a falta de continuidade de seus esforços na justiça. Se sensilizam com o criminoso oriundo das camadas pobres, mas desprezam suas vítimas e os bandidos de colarinho branco, corruptos, oportunistas e verdadeiros chefes do tráfico que ficam impunes e ganham benefícios penais. Os políticos preferem buscar a solução no assistencialismo sem contrapartidas usando dinheiro público para seus projetos de poder. Os outros preferem medidas superficiais para não se incompatilizar com a classe política de onde saem a aprovação de vantagens e privilégios da carreira. Tudo se liga para não atender na plenitude a demanda de quem elege, emana o poder republicano e constitui esta nação que se diz democrática.

O filme revela que o problema é muito mais amplo e complexo e sua solução parte de medidas muito mais contundentes do que simples mudanças nas forças policiais e assistencialimo sem contrapartidas. "A coisa toda é muito mais complexa" que exige enxugamento da constituição federal, alterações das leis penais e de execução penal, reestrutura policial, organização profunda do sistema prisional, agilização dos processos, participação mais efetiva do MP e Defensoria, mobilização da educação e da saúde, construção de um sistema integrado de preservação da ordem pública, e aproximação e envolvimento de um Poder Judiciário coativo, mais confiável, forte, desburocratizado, autônomo, célere, supervisor, imparcial, diligente, operante nos ditames legais e comprometido com a justiça, com a probidade, com a ordem pública, com a vida, com o patrimônio do cidadão e com a igualdade e harmonia entre os Poderes Republicanos e Democráticos.

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