O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

quarta-feira, 26 de março de 2014

DE BECO EM BECO NA MARÉ


ZERO HORA 26 de março de 2014 | N° 17744


HUMBERTO TREZZI | ENVIADO ESPECIAL/RIO


VIOLÊNCIA NO RIO. Zero Hora acompanhou o patrulhamento no complexo de favelas dominado por facções criminosas


A garotada descalça e sorridente acompanha o vaivém dos PMs pelos becos da Nova Holanda, no Rio. Os guris fazem troça e imitam o andar marcial de alguns policiais, correndo ao primeiro olhar carrancudo.

Para eles, tudo é diversão. Já para parte dos habitantes daquela comunidade, a maior das 11 favelas do Complexo da Maré, a onipresença da PM é uma novidade que desperta temor. Lá, o tráfico ainda é a lei, e os fardados, para muitos, são vistos como tropa de ocupação.

Essa estranheza tem tudo para aumentar nos próximos dias, quando o Exército tomar todo esse conjunto de vilas na Zona Norte carioca, onde moram 130 mil pessoas. Foram escolhidos como alvo por serem um dos maiores redutos do Comando Vermelho, a maior facção criminal fluminense, responsável por ataques sistemáticos a policiais desde o início do ano.

Foram sete atentados contra Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), bases comunitárias da PM que representam a maior novidade na segurança pública brasileira nas últimas décadas. Quatro policiais morreram nesses ataques, que teriam sido ordenados de dentro dos presídios, numa represália do CV ao desmantelamento de suas bocas de fumo. Compreensível. Das 37 UPPs, 32 ficam em áreas dominadas pelo Comando Vermelho.

Raíza Oliveira Cavalhares, uma dona de casa de 25 anos que mora na Nova Holanda, é uma das que enxergam os PMs como inimigos. Ela teve o barraco ocupado e revistado por policiais do 22º BPM na nublada e calorenta tarde de ontem. São eles que “aplainam o terreno” para a anunciada ocupação do Exército – traduzindo, vão de beco em beco atrás de traficantes e anunciando a chegada de reforços. É a tática do espantalho, que parece estar funcionando. Zero Hora acompanhou na tarde de ontem a incursão de um pelotão pelas vielas locais, e os bandidos, chamados de “patrões” na região, não apareceram.

A presença dos PMs incomoda. Muita gente fecha as portas. Outros apenas olham feio. Alguns frequentadores de bar olham, entediados, o avançar cuidadoso e desconfiado dos policiais – convictos de que em cada dobra de esquina pode estar uma armadilha, um atirador. Parece exagero, mas podem ter razão. No último sábado, esses mesmos policiais apreenderam num barraco da Nova Holanda – mediante denúncia anônima de um morador – um fuzil Mauser com silenciador e mira telescópica.

Na lenta progressão dos policiais não faltam bate-bocas. Ao fazer a revista, os PMs teriam quebrado uma TV de Raíza. Ela e as vizinhas saíram chorando e, ao verem jornalistas, se queixaram de abuso policial. Os policiais se defendem, dizendo que a casa foi apenas revistada, porque Raíza é suspeita de abrigar um foragido. Nada encontraram. ZH tentou entrar na casa, mas ela estava cercada pelos PMs.

– É mentira, sou limpa – avisa.

O tenente-coronel Silva Junior, responsável pelo patrulhamento na Maré, promete investigar o caso. Um tipo de confusão que tem tudo para se repetir nas próximas semanas.



OCUPAÇÃO COMEÇA EM 13 DIAS

- Mais de 4 mil militares das Forças Armadas (Exército e Marinha) serão a ponta-de-lança da maior ofensiva já realizada no país contra o crime organizado.

- Ela deve acontecer dia 7 de abril, com a ocupação do Complexo da Maré, conjunto de 11 favelas situadas à beira-mar, na zona norte do Rio, onde moram cerca de 130 mil pessoas.

- A região é estratégica por estar situada entre a Linha Vermelha, a Avenida Brasil e a Via Amarela.

- O complexo é uma fortaleza disputada pelo Comando Vermelho (CV), seus rivais do Terceiro Comando Puro (TCP) e uma milícia formada por ex-policiais e policiais aposentados. O CV domina as principais favelas da Maré, como a Nova Holanda.



Marca de tiros em blindado da PM, conhecido como Caveirão, revela intensidade de confrontos em comunidade ainda não pacificada

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