O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

sexta-feira, 28 de março de 2014

MORADORA COMO PROTAGONISTA

O GLOBO, Corpo a corpo - 27/032014

Ludmilla de Lima


Pacificação precisa ter morador como protagonista, diz diretora de ONG na Maré

Fundadora e diretora da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré, Eliana Sousa Silva defende que a ocupação da comunidade conte com a participação dos moradores. Ela diz que há dois anos, desde que a instalação de uma UPP na Maré passou a ser cogitada, a população local e as organizações presentes no conjunto de favelas vinham discutindo esse processo, dentro da campanha “Somos da Maré e temos direitos”, e mantendo um diálogo com a Secretaria estadual de Segurança. Ex-moradora da comunidade por 28 anos, Eliana, de 51 anos, é doutora em Ciências Sociais e autora do livro “Testemunhos da Maré” (Aeroplano)

Soldados do Exército procuram armas na horta num Ciep, no Complexo da MaréMARCIA FOLETTO / AGÊNCIA O GLOBO

Como a Redes observa hoje a chegada de tropas federais e policiais à Maré?

— Precisamos pautar o direito à segurança pública como demanda que exige a participação dos moradores. Aqui na Maré temos trabalhado sobre a perspectiva de abordagem que o policial faz e de que os grupos criminosos armados não podem dar a tônica do funcionamento da comunidade. São questões a longo prazo, e os moradores precisam ser protagonistas desse processo.


Como deve ser essa participação dos moradores?

— Acredito que o morador primeiro tem que ser reconhecido como cidadão que tem condições de ver esse processo de uma forma menos passiva, menos como espectador. A ideia que, muitas vezes, é passada é de que quando chega o programa da UPP o morador apenas assiste, como se não tivesse voz. O trabalho agora deve ser o de mobilizar para discutir como deve ser feito esse processo. É preciso ainda se libertar dessa ideia de tutela. Se antes os moradores viviam sob a tutela de grupos armados, não pode o estado com a policia agir agora como se fosse o poder que vai tutelar os moradores. A sua paticipação tem que envolver o entendimento de que os moradores, com a chegada da polícia, estão recebendo um direito que não tinham antes.

Como a Redes atua para garantir essa participação?

Participamos dos conselhos estadual e nacional de Segurança Pública e já fizemos uma trabalho, que incluiu um panfleto, sobre abordagem policial. Como o policial deve abordar os moradores na rua e na sua casa. E, há mais de um ano, temos feito reuniões com representantes da PM, do Bope, do Centro de Operações Especiais (COE). Quando foi feita a campanha da abordagem policial, procuramos o Beltrame. Sempre houve tentativa de estabelecer um diálogo. Não fazemos um trabalho de contestar por contestar. Buscamos atuar nesse campo para diminuir a violação em cima dos moradores de favela. Não adianta só a entrada da PM. O direito à segurança prevê também o acesso à Justiça.

Depois de anunciada a ocupação, a Redes e os moradores já sentaram para discutir a questão?

A gente está internamente na Maré fazendo reuniões com as organizações locais e associações de moradores. Também fazemos parte de um coletivo de pessoas que trabalham e estudam segurança pública. Estamos tentando nos mobilizar para entender esse processo. A gente já vem há algum tempo tentando diálogo com a Secretaria de Segurança para tentar contribuir. Pela localização estratégica e pelo conjunto de experiências já existentes na Maré, há espaço para um diálogo mais qualificado. Ontem (anteontem) fizemos uma reunião para entender por que militarizaram a ocupação, tornaram a coisa tão bélica, acirrando o que já era bélico pelos grupos criminosos.

Qual o maior problema dessa militarização?

Estão usando o artifício do mandado coletivo para entrar em qualquer casa. Isso não é juridicamente permitido. E pensar que estamos fazendo 50 anos do golpe, que o país avançou e hoje é uma democracia. Um mandado coletivo fere princípios do regime democrático. Não é o caso de um estado de exceção. Esse processo precisa ganhar outra coloração. Um frecsor que tem que passar pelo respeito e a não violação de um dereito que é inviolável, que é a casa das pessoas. Isso nos preocupa.

Que tipo de problema os moradores da Maré temem?

A gente não pode repetir os equívocos que aconteceram em outras áreas, como no Alemão. No Alemão, houve uma antecipação da ocupação, seja por militares quanto pela instalação da UPP. O que ouvimos é que houve violação no momento em que a polícia entrou, usando o artifício da violência. Na Maré, há um reconhecimento da demanda que existe no campo da segurança pública Por isso, o estado não pode chegar violando direitos.

Existe já esse diálogo com a Secretaria de Segurança?

Esse dialogo já estava acontecendo e recebi e-mail para uma reunião amanhã (hoje) no Coe, que fica perto da Maré. Vai ser com associações de moradores e algumas organizações, às 9h. Existe abertura de espaço para o dialogo, mas o que vejo que falta é incorporar a demanda desses grupos.

Quais são as demandas?

Há a demanda muito forte de melhorar a educação publica local e de melhorar a questão do acessos. A Maré fica entre a Linha Amarela, a Linha Vermelha e a Avenida Brasil, mas tem problema sério de mobilidade. Tem também a questão ambiental: por conta dessas três vias, é o pior ar que se respira no Rio. Tem muitos moradores com problemas de saúde. E há as diferentes violências envolvendo grupos armados criminosos. A falta do aparato da Justiça também é uma demanda. A Polícia Civil e os órgãos de Justiça têm que estar presentes. A Maré tem porte de cidade, e a ação do poder público tem que ser muito mais ampla e estrutural do que se vê hoje.

Como está o clima dentro da comunidade?

Há uma certa apreensão sobre o que vai acontecer e há uma curiosidade ao pensar a vida fora daquele escopo, de uma paisagem com muita arma e violência.

Quantos projetos são empreendidos hoje pela Redes?

A Redes tem 16 anos e hoje 17 iniciativas, dentro de cinco eixos: educação, segurança publica, desenvolvimento territorial, arte e cultura e ainda comunicação. De quatro a cinco mil pessoas hoje participam dos projetos.

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