O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

segunda-feira, 31 de março de 2014

OCUPAÇÃO DA MARÉ DESBANCA O TRÁFICO


ZERO HORA 31 de março de 2014 | N° 17749


TEXTO HUMBERTO TREZZI IMAGENS FERNANDO GOMES | RIO DE JANEIRO


DE OLHO NA COPA

Disputado há quatro décadas por facções, conjunto de 16 favelas na zona norte do Rio de Janeiro foi retomado pelo poder público. Sem mortes, sem tiros e em apenas 15 minutos, ruiu ontem um império do crime disputado há 40 anos por três facções rivais.


O Complexo da Maré, conjunto de 16 favelas situado na zona norte do Rio, foi ocupado militarmente por 1,5 mil policiais militares, civis e federais, que não encontraram resistência.

Contribuiu para isso uma tática do governo fluminense que vem dando certo: avisaram com antecedência quando a operação seria realizada e que ela não teria volta. Como bons entendedores, traficantes e milicianos que partilhavam a área deixaram o caminho livre para as autoridades. E as bandeiras do Brasil e do Estado do Rio, que há muito não tremulavam na praça central de uma das principais favelas, a Parque Pinheiro, voltaram a ser hasteadas, desta vez em companhia da flâmula da Polícia Militar. Horas após a ocupação, foi registrada a morte de um adolescente, em uma briga de gangues ligadas a facções do tráfico.

A escolha da Maré como alvo da maior operação policial do Brasil em três anos aconteceu em decorrência da sua localização estratégica – está próxima ao Aeroporto Internacional Tom Jobim e entre as três principais vias do Rio, a Linha Amarela, a Linha Vermelha e a Avenida Brasil. As autoridades almejam montar na região um “cordão sanitário” contra o crime, antes da Copa e de seus milhares de visitantes chegarem. Até para mostrar quem manda, o governo anunciou que criará ali várias Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), quartéis de policiamento comunitário que hoje formam um raro consenso entre cariocas de todas as classes.

O outro motivo pelo qual a Maré foi colocada na mira das autoridades é por ser dos raros lugares no Rio que concentra várias facções criminais.


Crime não termina, apenas muda de lugar

Ao ocupar a região, os policiais deram uma porretada no Terceiro Comando Puro (TCP, que controlava 11 das 16 favelas dali), no Comando Vermelho (que mandava nas duas maiores favelas da área, Nova Holanda e Parque União) e ainda em uma milícia formada por policiais e ex-policiais corruptos, que manda nas duas comunidades restantes. De quebra, mostrou que não persegue apenas integrantes do CV, acusação que vinha sendo feita porque 32 das 38 UPPs instaladas até hoje estão em áreas que pertenciam a essa facção. Esse pessoal terá de procurar serviço em outra freguesia, cada vez mais longe dos pontos turísticos ou nevrálgicos do Rio. Fato, aliás, que representa a maior crítica às UPPs até agora: o crime não termina, apenas muda de lugar. A população reivindica mais prisões e não apenas remoção dos alvos. Agências de inteligência teriam informações de que ao menos três chefes do Comando Vermelho teriam fugido para o Paraguai.

Os 1.183 PMs, 183 policiais civis e 50 policiais federais que participaram da ação deram um grande prejuízo aos bandidos. Apreenderam 450 quilos de maconha e prenderam, em pequenas ações conta-gotas ao longo da semana, 118 pessoas suspeitas de ligação com as quadrilhas – 13 delas neste domingo. Mais importante do que isso, deram um recado: o lugar deixou de ser santuário do crime. Dentro de uma semana, 4,5 mil integrantes das Forças Armadas vão substituir as polícias dentro da Maré e permanecerão lá por tempo indeterminado, uma verdadeira intervenção militar. Algo que preocupa muitos moradores, como a dona de casa Tereza Mesquita de Farias, líder comunitária na Vila Pinheiro, uma das 16 ocupadas.

– Espero que não confundam a casa da gente com a dos bandidos. Que não quebrem as coisas quando revistam. Que respeitem os trabalhadores. E que tragam também mais professores e saneamento – resume ela, ao exibir a lista de reivindicações para os novos donos da área, os PMs.



Por terra, pelo ar e pelo mar



O matraquear ensurdecedor das hélices de helicópteros rompeu o silêncio da noite carioca às 5h15min. Eram os Águia da PM, com atiradores de elite nas janelas, e os H1UH da Força Aérea Brasileira, dando apoio ao avanço de mais de 1,2 mil policiais militares e duas centenas de policiais civis pelas estreitas vielas do Complexo da Maré.

A linha de frente foi feita pela tropa de elite do Bope, os “caveiras”, com seus uniformes pretos quase imperceptíveis na escuridão. Em grupos enfileirados, eles saltaram de blindados Piranha da Marinha, especialmente cedidos para a operação. Comunicando-se com sinais e com radiocomunicadores acoplados na cabeça, eles não pararam até atravessar de Oeste para Leste a favela Nova Holanda, a maior a ser ocupada.

A própria Marinha fez a retaguarda, com 200 fuzileiros navais espremidos nos carros de combate, mirando o teto das casas e as lajes de onde poderiam sair tiros dos criminosos. Mas os disparos não vieram, para alívio geral, de policiais, moradores e centenas de jornalistas que acompanhavam a operação. Apenas um que outro estouro de foguete, sinalizando a algum traficante retardatário a chegada das tropas de ocupação. O vaivém dos fardados era observado por moradores, alguns dos quais recém-saídos de rodas de pagode e bailes funk, que teimaram em acontecer mesmo na madrugada anunciada para a ocupação.

Ninguém ficou surpreso com a falta de tiros, nem com as escassas prisões – apenas 13 presos ontem, em uma população de 130 mil pessoas que vivia dominada por mais de 500 bandidos fortemente armados. É que os criminosos saíram antes da ocupação, como tem sido regra antes da instalação de UPPs. Saem, jurando aos parentes que voltarão. Em alguns casos, como na Rocinha e no Complexo do Alemão, voltam mesmo, fazendo emboscadas contra policiais. Desde a primeira UPP instalada, em 2008, 11 PMs dessas unidades foram mortos por traficantes.

A fuga dos bandidos deve ter acontecido ao longo da semana, já que ontem era quase impossível sair da Maré sem ser visto. Todas as entradas do complexo e suas três vias de acesso foram bloqueadas por blindados e PMs, a cada cem metros. Sobraria o mar (a Maré, como indica o nome, é banhada pela Baía da Guanabara). Mas até ali lanchas da Marinha e da PM patrulhavam, tanto que três jovens foram presos à beira-mar, com drogas.

Entre 21 e 29 de março foram apreendidos na Maré sete fuzis, duas metralhadoras, 18 granadas, 33 pistolas e 10 revólveres, além de 15,4 quilos de cocaína, 37,7 quilos de maconha e cinco quilos de crack. Ontem, mais 450 quilos de maconha.

– Fomos muito bem – comemorou o secretário da Segurança do Rio, José Mariano Beltrame.




DIÁRIO DO RIO



Os traficantes do Comando Vermelho oferecem “selo de garantia” aos consumidores da cocaína vendida no Complexo da Maré. O Batalhão de Choque encontrou em uma residência centenas de papelotes embalados e prontos para venda. O detalhe é que em cada um havia uma gravura: no meio, o desenho de um fuzil M-16. Abaixo, as palavras CV e Colômbia.

A ocupação da Maré atraiu jornalistas do mundo inteiro. Só a France-Presse deslocou três equipes. A norte-americana AP, duas. O The New York Times abriu página em tom celebratório, sob o título “Polícia brasileira, amparada por militares, ocupa favela próxima ao Aeroporto do Rio”.

Todo o trabalho dos policiais foi acompanhado pela cúpula da Segurança, ao vivo. Sabe onde estavam muitas das câmeras? Na cabeça dos militares. Algumas unidades trabalharam com óculos especiais, capazes de filmar as ações de combate à noite. É um recurso já usado pelos norte-americanos no Iraque.

- Ao perceberem que não haveria tiroteio, moradores retomaram suas vidas. Uma cozinheira deixou panelas com comida à venda, enquanto PMs passavam nervosos por ali. Um bando de guris foi jogar a pelada dominical, alheio aos “caveiras” do Bope. Ao que parece, houve apenas troca de guarda: saem os traficantes, entram os policiais.

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